Wednesday, July 13, 2005

Homens e bichos

Perto da casa da minha mãe há uma escola de primeiro grau (errr ensino fundamental), que de tempos em tempos muda as pinturas do muro de fora. Não lembro das primeiras. A última foi feita há uns 5 anos e quebrou o padrão de figurar apenas os desenhos dos alunos: um grande espaço foi reservado para uma historia em quadrinhos, claramente (pela qualidade superior do desenho e inferior da imaginação e temática) a idéia da então diretora, uma comovente história sobre um sapo que, julgando aborrecida sua vida no brejo, tenta a sorte na cidade grande. Para sua tristeza, constata que as pessoas na cidade são más. Uma sapa (?) presa (??) em uma loja de animais (???) aconselha-o a voltar, pois "não há lugar como o lar". O sapo, após resgatar a sapa (sabe-se lá como, pois em um quadrinho estão conversando separados por um vidro de 2cm de espessura, e em outro estão em plena fuga - "A Catita fugiu!" grita desesperado alguém na loja, provavelmente uma funcionária), retorna ao brejo e lá descobre a felicidade, cantando "Chá - lá lá lá" (será o David Bowie? Não me parece).

Em outra pintura, agora há uns 10 anos, haviam outros desenhos relacionados à proteção da natureza, e sempre achei legal como a molecada consegue dar um jeito de pintar o que quiser e relacionar de algum jeito com o tema proposto. Uma delas me chamou a atenção.

Faço notar que eu passava pela frente desse muro todos os dias, e quando não perturbado pelos pensamentos eu tratava de olhar e reolhar os desenhos do muro. Assim, dois minutos por dia perfazem quase meia hora por mês e em um ano temos no mínimo 3 horas de reflexão. Não taxem minha pessoa de inútil por favor, nem julguem precipitado meu raciocínio. Tive bastante tempo para pensar, embora não dedicasse todo de uma vez a isso.

Um deles, eu dizia, retratava um homem, notadamente mau e barbudo, trajando um casaco grosso e portando um machado. O cenário era glacial, e sugeria os desenhos do Picolino. O homem mau perseguia uma foca assustada, e uma frase abaixo do desenho ("Qual deles é o animal?") sugeria que o hominídio desejava apoderar-se do tecido epitelial da foca. Três ou quatro meninas da então 7a. B assinavam a obra.

De primeira vista, achei um tanto besta a frase, piegas. Mas havia algo de errado com ela. Como faço com tudo, entendi a frase ao pé da letra e deduzi que a resposta correta à pergunta feita é "ambos". Em seguida fiquei um pouco aturdido com a falta de conhecimento em biologia dessas meninas. Pela cara do desenho, pensei serem as "CDFs" da sala, aquelas que sentam-se na frente, copiam tudo o que o professor escreve na lousa e arrancam o cabelo ao tirar um B. Elas não devem ter calculado que alguém suficientemente simplório tomaria a frase ao pé da letra, mas mesmo assim a frase me irritou.

Irritou tanto que lembrei recentemente dela, ao pensar o que torna certos bichos humanos e certos humanos, bichos.

Vi documentários na discovery mostrarem como chimpanzés formam bandos e agridem um de seus semelhantes até a morte. Foram encontrados chimpanzés mutilados e presos ao chão. Diz-se que esse comportamento de violência gratuita é encontrado somente nos humanos e, recentemente, nos chimpanzés. Certos gorila na África é infanticida (crianças humanas, ao que se sabe).

Há uma hierarquia rígida, baseada em poder físico e idade, que os com menos status tentam subverter, desafiando a autoridade. As fêmeas inciumam-se e brigam umas com as outras. Machos brigam por fêmeas etc. Sem mencionar as guerras por recursos naturais com outros bandos, do mesmo chimpanzé.

Por essas e outras tem-se considerado que chimpanzés assemelham-se com humanos, o que é irônico, já que gostamos de pensar que somos diferentes dos outros animais por sermos civilizados. Hehehe, seriam os chimpanzés civilizados devido ao comportamento agressivo?

A civilidade é tida como necessária, mas são admirados e bem-sucedidos aqueles que dela tiram proveito. A civilidade e o cavalheirismo é bom nos outros, para que incivilizados bla bla bla. Num píncaro de falta de originalidade, o civilizado cidadão pagador de impostos é a presa do político incivilizado fraudador de milhões (é por estar na pele do cidadão pagador de impostos, que permiti a mim mesmo essa falta de originalidade). Movidas pelo egoísmo, encontram no altruísmo e civilidade de outrem fonte de benefícios pessoais.

Entretanto, fui educado com altos padrões éticos de conduta pessoal. Não aceito o "não faça a outros o que não querem que te façam", devido ao contra-exemplo do masoquista, mas respeito um conjunto de normas ao lidar com pessoas, conhecidas ou não. Tenho ido bem até agora, embora sinta-me demasiadamente preso a eles quando em conflito com pessoas de baixo proceder.

Não quero considerar que meu código torne-me superior às pessoas, mas acredito que ganho vantagens por exibir um temperamento camarada e conciliatório. Na verdade não tenho opção, pois agir contrário ao meu código resulta em grande mal estar e até doença. Mas perco em contato com pessoas com presunções totalmente diferentes das minhas, ou sem códigos de éticas na verdade, ou questionáveis. É como falar inglês na terra dos que falam pelo machado.

Por trás de todo o discurso, claro, existe um fato, uma frustração e um terror. Agora eu compreendo um pouco os americanos, o fardo do homem branco e a vontade de destruir piedosamente tudo o que não é civilizado (i.e., tudo sobre o qual não se tem controle). E penso que esse impulso civilizatório é a outra face da sociedade chimpanzística em que vivemos. Os incivilizados assustam e agridem os civilizados; estes compram rifles e "civilizam" os inciv-. Os que sobram tornam-se mais inciv- ainda e... O que é civilizado ou não, pouca importância se dá. É que são da mesma moeda que assusta.

E se você tem um lado da moeda, automaticamente possui o outro. A única solução é não ter moedas (não diga notas ou cheques).

Comments:
ler todo o blog, muito bom
 
Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?