Sunday, April 03, 2011

O fim da série Duna: chave de ouro dos tolos

Imagine uma série de 6 livros de ficção científica que se passam no intervalo de tempo de 6.000 anos; onde o foco não é na ciência, mas no uso que o indivíduo e a sociedade fazem desta; onde "ciência" compreende não só naves espaciais e raios lasers, mas psicologia, ecologia e política; onde coisas místicas como telepatia e previsão do futuro tem, vai, explicações verossímeis (dentro da fantasia) e, longe de ser um superpoder que permite girar a terra ao contrário, são habilidades que trazem vantagens e limitam ao mesmo tempo; personagens interessantes, profundos, bem descritos; onde após 23.000 anos do nosso tempo, existem numerosas histórias e mitos, dando sugestões de tudo o que se passou desde agora; e que, no final da série, os fatos dos primeiros livros surgem como lenda e mito; humanos mutados, simbiotizados com outras espécies, modificados geneticamente; por fim, num ramo literário quase abstêmio, fala de drogas (inclusive as "expansoras da mente", sonho dos anos 60), amor e sexo como alavancas que movem as pessoas e, por conseguinte, as sociedades.

Frank Herbert fez tudo isso, e criou uma série intrigante, viciante e imprevisível. Que foi interrompida no sexto livro por ocasião da morte do autor, num ponto crítico de tensão: descobre-se que a guerra contra o atual inimigo é besteira, que há um inimigo maior ainda por vir, facções inimigas são subitamente aliadas por manobras políticas, rebelados fogem numa nave com material genético e tecnologia suficientes para clonar (ou "gholar") as principais figuras históricas dos últimos 10.000 anos.

Tudo o que sobrou foram anotações do próprio autor sobre o fim da série, e as ligações sinápticas criadas no filho Brian em decorrência de conversas e brainstorms sobre a continuação da série. Que se preparou para terminar a série escrevendo livros sobre o universo Duna com um colaborador. E esperávamos ansiosos a conclusão da série.

Pena que esse filho não era um Kwisatz Haderach, e não tinha acesso às "outras memórias", para consultar seu pai. Poderia até ser uma Abominação e deixar o velho tomar conta para concluir a série. Porém esse talento literário extremo não foi hereditado, e a série não teve a conclusão que merecia.

Falando apenas dos dois últimos livros, "Hunters of.." e "Sandworms of Dune". Primeira crítica, tem personagem demais; eles resolvem simplesmente gholar todo mundo que apareceu nos últimos livros, e mais meia dúzia do passado lendário do universo. O próprio Frank Herbert usava esse recurso com moderação, e pelo que lembro tínhamos por livro uns 5-7 personagens importantes - em Sandworms, cada trama tem esse número. E temos quantas tramas? A nave Ithaca, os Tleilaxu perdidos+Guilda, Waff, a nova Irmandade, os Judeus, o império sincronizado, os Dançarinos Faciais... é muito cacique pra pouco índio;

Muitos deles ainda não são consistentes com a série, puxando demais para o heroísmo romântico (como Miles Teg e Duncan Idaho) ou melodramatismo (como o dr. Yueh). Estes personagens, na série original, são difíceis de categorizar, por terem muitas camadas como uma cebola, e intenções dentro de intenções (a assinatura da série). Talvez o excesso deles se justifique por isso, para evitar entrar em detalhes que não seriam bem trabalhados.

Quanto às tramas: às vezes dá raiva de ler, pois acontecem "aventurinhas" chatas e sem significância para a trama real, e com tantas coisas acontecendo em planetas (e conjuntos de personagens) diferentes, a tentação de pular capítulos é grande. Bom, isso pode ser um defeito meu; eu tenho essa vontade recorrentemente.

Os grandes passos, como a recuperação de memórias para os personagens acontecem em um ou dois parágrafos, quase que de imediato. Os conflitos que levam ao desabrochar de novas habilidades para os personagens não são bem explorados e parecem pouco críveis.

Por fim, o fim é o fim: como li na wikipedia, são 4 "deus ex machina" consecutivos. A frota humana revela-se defeituosa, alvo de extensa sabotagem. Porém, com um estalar de dedos, agentes infiltrados nos milhões de planetas povoados por humanos morrem. O comandante principal da frota inimiga, superior em poder de fogo e numericamente, é banido para "outra dimensão" (nunca se falou disso na série clássica, o conceito já aparece do nada) por uma entidade que nunca fez nada na série inteira, o robô cruel, inocente e chatíssimo que só quer ser humano pede pra morrer, para conhecer a derradeira experiência de ser humano.

Depois disso é só v*, parece fim de novela. Todos os bonzinhos recebem cargos nos planetas preferidos; o universo humano tem um governante que vê o futuro e não vai na direção da estagnação (o que era a grande falha da chamada presciência), tem conexão com todos os robos e computadores (todos mesmo), e portanto é onisciente, foi refinado geneticamente ao longo dos 6.000 anos anteriores para ser um grande lutador, estrategista e, por fim, conhece o poder do amor.

Foi mal Brian, mas se te serve de consolo, era areia demais pra acho que 100% dos caminhõezinhos escritores atuais.

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